A Mão Esquerda da Escuridão foi um importante marco dentro dos livros de ficção científica, sendo respeitado até mesmo por escritores de outros gêneros; não foi por menos que recebeu os prêmios Hugo em 1970 e Nebula em 1969. O livro foi recentemente lançado pela editora Aleph, onde foi organizado até uma palestra sobre a vida e a obra da autora.
A história se passa dois anos após a chegada de Genly Ai, enviado do planeta Terra em serviço do Conselho Ecumênico, ao planeta Gethen, mais conhecido pelos pesquisadores como planeta Inverno, devido a seu clima glacial. A característica mais importante do planeta, além do clima, é o fato de todos os habitantes serem hermafroditas, não existindo homem ou mulher, o que contribui para a riqueza do cenário e o entendimento da cultura getheniana. A missão de Genly Ai é negociar com os governantes gethenianos a entrada do planeta ao conselho intergaláctico ecumênico, que funciona como uma confederação que organiza outras civilizações humanas distribuídas em mais de 80 planetas. A trama passa a se intensificar quando Genly presencia a constante tensão entre as nações de Karhide, onde reside, e Orgoreyn. A diferença crucial entre os dois locais é o fato de um possuir um regime de monarquia e o outro de uma democracia (que acaba por incluir até um orgão de censura, no livro chamado de Sarf).
Desde o início da história é o primeiro ministro Estraven quem acolhe e se torna amigo de Genly Ai; a relação que mantêm é um tanto fria e acaba por se tornar uma inimizade após um suposto golpe por parte de Estraven, porém o exílio deste, sua fuga para Orgoreyn e sua memorável travessia pelos gelos eternos ao lado de Genly tornam a amizade deles outro ponto genial do livro! Neste momento é que o leitor observa que não há um antagonista, mas sim sociedades com situações adversas (e injustas) aos protagonistas.
Perseguições, traições políticas, exílio, incesto, suicídio, tortura e alienação são alguns dos elementos que contribuem para um clima pesado e conturbado no enredo, apesar de muia coisa ser implícita e as cenas não serem chocantes. O interessante de ser observado é o estudo antropológico, sociológico e psicológico que se dá na ótica do leitor bem informado. Ursula K. Le Guin utiliza a construção do seu universo para estudar certas características sociais: dualismo, manequísmo, patriotismo, relações amorosas, amizade, poder, etc. É terrivelmente engraçado entender certos mecanismos que só existiriam em uma sociedade hermafrodita (como o fato de não existirem guerras ou conflitos diretos).
Para enriquecer a história vivida tanto na ótica de Genly Ai quanto na de Estraven, existem capítulos dedicados ao mito de criação do mundo, lendas, histórias, diferenças do planeta Inverno em relação ao nosso e à religião. Posso afirmar que é um mundo tão bem construído quanto a Terra Média ou o planeta Duna. Uma trama inovadora para os jovens, um metáfora sobre a humanidade para os adultos e uma história inesquecível para ambos, vale a pena dar uma conferida. Até a próxima, caros leitores.
Toda ficção é metáfora. Ficção científica é metáfora.
Ursula K. Le Guin